quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Operário em construção (Vinícius de Moraes)

“E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo: — Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu. E Jesus, respondendo, disse-lhe: — Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.”

(Lucas, Cap. V, versículos 5-8)

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade

Era a sua escravidão.
De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente

Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
— Garrafa, prato, facão —
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia

Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo

Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão.
Pois além do que sabia
— Exercer a profissão —
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:

A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.



E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte

Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação.
— “Convençam-no” do contrário — Disse ele sobre o operário

E ao dizer isso sorria.
Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento

Da construção que crescia.
Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
— Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro de seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.

E o operário disse: Não!
— Loucura! — Gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
— Mentira! — disse o operário

Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Como o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Intertexto Brecht Ninguém se importa comigo

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
Bertold Brecht

terça-feira, 29 de setembro de 2009

O SAL DA TERRA

O Sal da Terra
Composição: Beto Guedes - Ronaldo Bastos

Anda, quero te dizer nenhum segredo
Falo nesse chão da nossa casa
Vem que tá na hora de arrumar
Tempo, quero viver mais duzentos anos
Quero não ferir meu semelhante
Nem por isso quero me ferir
Vamos precisar de todo mundo
Pra banir do mundo a opressão
Para construir a vida nova
Vamos precisar de muito amor
A felicidade mora ao lado
E quem não é tolo pode ver
A paz na Terra, amor
O pé na terra
A paz na Terra, amor
O sal da Terra
És o mais bonito dos planetas
Tão te maltratando por dinheiro
Tu que és a nave nossa irmã
Canta, leva tua vida em harmonia
E nos alimenta com teus frutos
Tu que és do homem a maçã
Vamos precisar de todo mundo
Um mais um é sempre mais que dois
Pra melhor juntar as nossas forças
É só repartir melhor o pão
Recriar o paraíso agora
Para merecer quem vem depois
Deixa nascer o amor
Deixa fluir o amor
Deixa crescer o amor
Deixa viver o amor
(O sal da terra)"

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

A coordenadora pedagógica Carla Lopes propõe atividades para analisar e debater com jovens a criação do espaço cidadão e a formação de identidades na mídia.

Professora do Colégio Estadual Professor Sousa da Silveira, no Rio de Janeiro, a coordenadora pedagógica Carla Lopes desenvolveu recentemente com seus alunos o projeto “Mídia: criação do espaço cidadão e formação de identidades”, que integra o programa político pedagógico do colégio, o “Reflexões e Debates para a Consciência Negra”. É essa experiência que ela se propõe a compartilhar neste plano de aula, tendo também como referência o artigo “Circuitos de Acesso”, publicado em Onda Jovem, na edição que trata da contribuição das mídias à educação juvenil.

Para Carla, na era em que vivemos, da tecnologia da informação, educadores e educando não podem de forma alguma receber reativamente as inovações tecnológicas. “Nos cabe aprendê-las e nos empoderarmos delas, produzindo através delas resultados que atendam às necessidades locais e façam a interlocução com o espaço global.”

Acesse aqui o conteúdo do Plano de Aula

sexta-feira, 24 de abril de 2009



Por Quem Os Sinos Dobram
Raul Seixas

Composição: Raul Seixas

Nunca se vence uma guerra lutando sozinho
Cê sabe que a gente precisa entrar em contato
Com toda essa força contida e que vive guardada
O eco de suas palavras não repercutem em nada

É sempre mais fácil achar que a culpa é do outro
Evita o aperto de mão de um possível aliado, é...
Convence as paredes do quarto, e dorme tranqüilo
Sabendo no fundo do peito que não era nada daquilo

Coragem, coragem, se o que você quer é aquilo que pensa e faz
Coragem, coragem, eu sei que você pode mais

É sempre mais fácil achar que a culpa é do outro
Evita o aperto de mão de um possível aliado
Convence as paredes do quarto, e dorme tranqüilo
Sabendo no fundo do peito que não era nada daquilo

Coragem, coragem, se o que você quer é aquilo que pensa e faz
Coragem, coragem, eu sei que você pode mais.

sábado, 18 de abril de 2009

Vida Maria


Animação maravilhosa sobre a vida da mulher nordestina

segunda-feira, 30 de março de 2009

Leitura de Mundo

Adaptação do texto de Ângela Antunes
Coordenadora do Instituto Paulo Freire

Para Paulo Freire, a educação é um ato político. Jamais é neutra, porque, necessariamente, contém uma intencionalidade. A educação pressupõe escolhas, estejamos, ou não, conscientes delas. Dependendo das decisões, ou seja, das escolhas que fazemos, a educação que realizamos pode contribuir para melhorar nossa convivência e a realidade em que vivemos ou pode contribuir para deixar tudo como está.
Para Freire, educar é promover a capacidade de ler a realidade e de agir para transformá- la, impregnando de sentido a vida cotidiana. Para isso, a educação não pode se dar alheia ao contexto do educando, nem o conhecimento pode ser construído ignorando o saber que eles trazem. Daí a importância da leitura do mundo.
Desde seus primeiros escritos, Freire procurava uma teoria do conhecimento que possibilitasse a compreensão do papel de cada um no mundo e de sua inserção na história.
Ele estava preocupado em elaborar uma pedagogia comprometida com a melhoria das condições de existência das populações oprimidas. O conhecimento construído através do processo educativo, nessa perspectiva, tem a função de motivador e impulsionador da ação transformadora.
O ser humano deve entender a realidade como modificável e a si mesmo
como capaz de modificá-la. Sua pedagogia proporciona aos educandos a compreensão de que a forma de o mundo estar sendo não é a única possível. Ela revela como possibilidade tudo aquilo que a totalidade opressora apresenta como determinação.
Nesse processo de leitura e de releitura do mundo, de leitura, uma leitura mais crítica do mundo forma o sujeito, que constrói uma visão de mundo e que pode, a partir dessa visão, não apenas vê-lo, entendê-lo melhor, mas pode, assim fazendo, entender melhor como somos capazes de mudar o mundo pela nossa ação.
Nessa problematização, o educador desafia os educandos para que expressem de maneiras variadas o que pensam sobre diferentes dimensões da realidade vivida.
A localidade dos educandos é o ponto de partida para o conhecimento que eles
vão criando do mundo. A partir dela, uma “readmiração” da realidade inicialmente discutida em seus aspectos superficiais vai sendo realizada com uma visão mais crítica e mais generalizada.
Para Paulo Freire, o ser humano é “ser de relação”, caracterizado pela sua “incompletude”, “inacabamento” e pela sua condição de “sujeito histórico”. Os seres humanos “estão sendo”, são “seres inacabados, inconclusos”. Seres situados em e com uma realidade que, sendo igualmente histórica, é tão inacabada quanto eles, por isso passível de mudança, de transformação.
O ato de conhecer se dá na relação social e é o diálogo o mediador desse processo. Ele é, portanto, condição para o conhecimento.
Mas o diálogo, para o pensamento freiriano, não se dá automaticamente. Ele só existirá se forem garantidas algumas condições:



1. Amor
O diálogo exige uma profunda relação amorosa com o mundo e os homens. Não se trata de uma relação amorosa ingênua ou piegas, limitada à caridade, que humilha e não transforma. Paulo Freire fala de uma relação amorosa que implica comprometimento com a promoção da vida. Refere-se a um amor “armado” para que a esperança na mudança, a esperança na possibilidade de construir um mundo melhor, mesmo em condições adversas, não se esmoreça e alimente o permanente diálogo e compromisso.

2. Humildade
Outra condição que a relação dialógica impõe é a humildade. Não haverá diálogo entre educador e educando quando aquele se reconhecer como o único a possuir saber e este o que deverá recebê-lo. A humildade está presente no educador que se reconhece ser incompleto e inacabado (tendo sempre, portanto, algo a aprender) e reconhece que o educando também é portador de conhecimento, tendo, nesse sentido, algo a ensinar. “A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um
ato arrogante.

3. Fé
A fé nos seres humanos é outra exigência da dialogicidade. “Fé no seu poder de fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de Ser Mais” (Freire, 1981: 95). Dialoga aquele que sabe da capacidade de o ser humano rever-se, reinterpretar-se, “renascer” a partir da compreensão sobre seu estar sendo no mundo e sobre seu próprio mundo.

4. Esperança
Sem a esperança, que nos estimula, dá sentido, movimenta nossas ações em direção ao projeto com o qual sonhamos, não pode haver diálogo. “Se o diálogo é o encontro dos homens para Ser Mais, não pode fazer-se na deseperança. Se os sujeitos do diálogo nada esperam do seu que fazer já não pode haver diálogo. O seu encontro é vazio e estéril” (Freire, 1981: 97). Dialogar em torno do quê, se não há projeto, se não há sonhos.

5. Pensar crítico.
Este é um pensar que percebe a realidade como processo, que a capta em constante devenir e não como algo estático” (Freire, 1981: 97), que a entende
como construção histórica e social, por isso, mutável. Não é possível, para Paulo Freire, que a leitura de mundo seja esforço intelectual que uns
façam e transmitam para outros. Ela é uma construção coletiva, feita com a multiplicidade das visões daqueles que o vivem. Transmitir ou receber informações não caracterizam o ato de conhecer. Conhecer é apreender o mundo em sua totalidade e essa não é uma tarefa solitária. Ninguém conhece
sozinho. O processo educativo deve desafiar o educando a penetrar em níveis cada vez mais profundos e abrangentes do saber.




6. Problemática
Nisso se constitui uma das principais funções do diálogo, que se inicia quando o educador busca a problemática significativa dos educandos, procurando conhecer o nível de percepção deles em relação ao mundo vivido.
É do conhecimento do nível de percepção dos educandos, de sua visão do mundo, que Freire considera possível organizar um conteúdo libertador.
A temática das questões do dia-dia a dia do educando devem ser o grande conteúdo a ser aprofundado no processo formativo.

7. Mergulho na Comunidade
A realidade imediata vai sendo inserida em totalidades mais abrangentes, revelando ao educando que a realidade local, existencial, possui relações com outras dimensões: regionais, nacionais, continentais, planetária e em diversas perspectivas: social, política, econômica que se interpenetram. A localidade do educando é, dessa forma, o ponto de partida para a construção do conhecimento do mundo. Fazer os educandos falarem a partir de seu território, do seu lugar de vida, convivência, trabalho, relações sociais, e, num movimento solidário, dialético e dialógico, ir permitindo que eles desvendem o local e o universal, denominem o mundo e se comprometam com as ações necessárias à construção do mundo novo, com justiça social e sustentabilidade.

8. Recursos
Podemos lançar mão de diversos recursos para conhecer o “estar sendo no mundo” dos educandos através de conversas informais, documentos, registros sistematizados que representem a história local através de cartazes, folhetins, notícias em jornais, diários etc.), vídeos, fotografias, desenhos, peças de teatro, de marionetes, descrição de um dia na comunidade (o que fazem, por onde passam, o que vêem, com quem conversam...), depoimentos de outros moradores da região, filmes que desencadeiem discussões, cartazes (murais, varais) etc.